De repente,
tudo perde a graça. O que antes era uma delícia, como sair para almoçar em um
restaurante, passear no shopping, ir ao cinema, torna-se sinônimo de
sacrifício. Até mesmo as atividades cotidianas, como cuidar da casa e de si
próprio é cada vez mais difícil.
Se isso está
acontecendo com você, em meio a esse processo todo de tratamentos para
engravidar, calma. Os sentimentos que envolvem a dificuldade para
engravidar podem ficar potencializados em algumas fases, durante ou fora do
tratamento.
Você e o seu
parceiro precisam estar atentos. A tristeza é comum, parte do processo e é até
saudável. Todos nós temos nossos momentos. Ninguém fica feliz 100%, assim como
não estamos sempre com a saúde em dia; às vezes ficamos gripados ou com uma dor
de barriga. O mesmo acontece com o nosso emocional. Ele se abala.
Principalmente em situações de estresse. E ele precisa enfrentar todas as
etapas para se reestabelecer. O que não pode é "emperrar" em um
determinado estado, principalmente, o da tristeza. Porque aí ela pode virar o
que os psicólogos e médicos chamam de patológica, ou seja, vira uma doença: a
depressão.
Acompanhe a
conversa que tive com Luciana Leis, psicóloga com enfoque no atendimento a casais com
dificuldades de gravidez. Ela explica os limites entre a tristeza considerada
sadia e quando ela passa a dar sinais de depressão.
Como
identificar quando a tristeza está a um passo de se tornar depressão?
O sentimento de tristeza é bastante
comum em meio à vivência de dificuldade de gravidez, porém, tristeza é
diferente de depressão. Na depressão há uma intensidade maior dos sentimentos
de tristeza, perda da vontade de viver, falta de motivação para realizar as
atividades rotineiras, perda da libido, do apetite e, em alguns casos, insônia.
Quando a depressão é mais grave, ideias de acabar com a própria vida também
podem aparecer. No caso da depressão, os medicamentos, dependendo da
intensidade dos sintomas, podem ser imprescindíveis.
No caso das
pacientes / casais que estão no processo de tratamento de reprodução assistida
ou em um intervalo, como proceder para não deixar a peteca cair?
Dentro do possível, buscar motivação em
outros projetos e atividades que lhe deem prazer e que estejam mais dentro do
que depende de você, pois, a maioria das pessoas que estão nesta fase, tende a
investir somente no tratamento ou em assuntos que se relacionem à
infertilidade. Assim, investir em projetos novos no trabalho pode ser uma boa,
assim como, iniciar um curso que você sempre quis fazer, organizar o tempo a
fim de garantir um lazer, uma atividade para o casal, entre outros.
É muito
comum que o tema "filho" seja algo recorrente na vida deste casal.
Afinal, torna-se um plano de vida, principalmente por requerer tantos recursos
(financeiros, emocional, tempo). Quando ele não chega logo, a angústia toma
conta. Ela pode se tornar patológica?
Pode sim, o que determina a patologia é
o nível de intensidade da angústia. Sentir angústia não é patológico, mas estar
tomado por ela sim. No caso das patologias podemos incluir, por exemplo, os
transtornos de ansiedade generalizada, insônia, compulsão por comer, depressão,
ataques de pânico etc.
O desejo
pode se tornar obsessão?
O desejo pode sim se tornar uma
obsessão, aliás, isso é mais comum do que se imagina. Na obsessão, há um
pensamento constante a tudo que se relacione à dificuldade de gravidez e seus
tratamentos; a pessoa tende a ter dificuldade de pensar, falar e investir em
outras coisas que não estejam relacionadas a esse assunto.
Por que a
maioria das pessoas, inclusive familiares, não conseguem compreender
essa tristeza e até nos repreendem por não conseguirmos reagir, exigindo que
enfrentemos o mundo real, com suas grávidas felizes e seus bebês?
A sociedade tende a não reconhecer essa
dor, pois isso pode ser sinal de fraqueza e de não estar bem. No mundo atual,
cada vez mais se espera que as pessoas sejam bem resolvidas, felizes e bonitas,
independente do momento que estejam passando. A dor costuma incomodar as
pessoas que não sabem como lidar com ela.
Quando é
chegada a hora de buscar por auxílio psicológico?
Não é necessário que os sentimentos depressivos
e de angústia estejam demasiadamente intensos para buscar ajuda, inclusive, é
desejável que se busque antes, justamente, para evitarmos que se chegue a esse
estado mais patológico, como já referido até agora. Antes de tudo, é necessário
motivação e abertura por parte da pessoa que busca ajuda de procurar entender e
mudar muitos dos sentimentos que vivencia com o auxílio de um profissional
especializado.
Pode ser
necessário o uso de medicamentos? Nesse caso, quem indicará o encaminhamento ao
psiquiatra?
Os medicamentos podem ser bastante
úteis para uma melhora eficaz e mais rápida. Vale lembrar, que nem todos os
casos precisam de uso de medicação. Um bom psicólogo poderá avaliar a
necessidade de cada caso para fazer o encaminhamento ao médico psiquiatra.
Existe
alguma alternativa para aqueles que não têm recursos para iniciar um tratamento
psicoterápico no momento?
Os grupos de autoajuda da internet
podem ajudar a aliviar essa dor pelo compartilhamento das experiências com
outras pessoas que vivenciam esse problema, porém, como não há um intermediador
psicólogo nestes grupos, corre-se o risco de que haja uma “contaminação” da
pessoa com os problemas do outro, que não lhe pertencem. A ajuda de um
psicólogo acaba sendo o melhor caminho. Nos postos de saúde do SUS há
ambulatórios de saúde mental onde o atendimento é gratuito, além disso,
universidades que disponham de cursos de psicologia também tem esse serviço
gratuito ou a baixos custos.
Quais outros recursos podem ser úteis?
Ajuda
especializada é o mais indicado, no entanto, dividir seus sentimentos com o
marido, amigo ou parente próximo também pode ajudar, pois a luta tende a ser
menos solitária e reforçar redes de apoio nunca é demais.